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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Eu vendia sonhos

Minha mãe fez sonhos esses dias e me lembrei dessa
história. Só ela faz sonhos assim.
Eu não sou buziana de nascimento. Cheguei aqui aos 09 anos, quando meu pai, decidiu tentar a sorte em uma cidade e uma cultura completamente diferente da que estávamos acostumados. Búzios há apenas 20 anos atrás (uau 20 anos.....) era quase uma vila de pescadores que recebia gente de todos os lugares que se pode imaginar.
Imagine então o impacto de ser uma criança e ouvir pessoas dos mais variados tipos e cores, sotaques e idiomas, culturas e costumes. Era quase um faz de conta, um lugar imaginário, onde a gente ia comprar roupa com dólar. Essa mesma cidade tinha um comércio bem peculiar. Muitas lojas, lojas de roupa, de souvenir, de cangas, de chinelos, de tudo que pudesse ser útil ou fizesse lembrar ao turista que ali era Búzios.
Meu pai tinha uma loja quase em frente ao Pier, ORCHID, muita gente deve lembrar dela. Para mim era o máximo estar ali naquele mundo tão diferente, onde tudo parecia tão lindo, tão colorido. Coisas que só a cabeça de uma criança podem enxergar. Ir até o pier, ou visitar o Le Club eram passeios esplendorosos. Me lembro bem de um senhor, acho que era gerente no Le Club, francês, seu nome era Salla, sempre dava à minha irmã um mousse de chocolate. Era tão sonoro o jeito com que as palavras cheias de sotaque saíam de sua boca.
Um dia,numa tarde chuvosa, minha mãe encontrou uma receita de sonho e fez pra gente, ficaram deliciosos. E não sei como, quando percebemos, eu estava nas ruas do centro da cidade - nós morávamos muito perto do Centro - vendendo sonhos de loja em loja. Eu era tímida e ainda sou muito, mas passava de loja em loja oferecendo os sonhos, com uma bacia verde. Essa bacia verde com tampa transparente e redonda é tão viva na minha memória que eu quase posso toca-la. O cheiro do sonho misturado com o plástico estão aqui agora no meu nariz.
Eu vendia pra caramba. Meu melhor freguês era o dono da loja Bee. Ele sempre comprava o final do estoque. Eu começava pela praça, subia a Turíbio e acaba em frente a Bee. Ele me mandava subir e a sua esposa comprava o que havia sobrado na bacia. Eu saía contente e feliz, com a alegria e ingenuidade que só as crianças tem. Ninguém me pediu pra vender sonhos nas lojas, eu queria. E gostava e fazia bem. Acho que fazia bem para minha mãe também. 
Vendendo sonhos compramos nossas passagens naquele verão para visitar minha família no Sul. Foi tão legal saber que eu contribui com um sonho. O sonho da minha mãe de matar as saudades das suas irmãs. Meu pai nem deve saber, mas muitas noites enquanto ele trabalhava, ela escrevia cartas pra minha tia e chorava. Eu tenho essa imagem dentro de mim. E ela me pedia: - Filha, não conta pro teu pai que a mãe chorou. Eu não contei. E hoje entendo as lágrimas dela. Muita coisa ficou para trás, mas era preciso, era preciso tentar. E ela confiou no meu pai. Fez o certo.
Depois daquele verão vendendo sonhos eu fiz muita coisa ainda. Eu acho que sempre fui uma boa filha. Temperamental e geniosa, e com uma personalidade muito forte. Mas sei que quando meus pais pensam em mim se orgulham, pois temos muita história pra contar. 
Depois dos sonhos, tentamos bolo de maçã e banana, bolo de chocolate e torta. Mas nunca mais vendeu como os sonhos. Acho que tem coisas na vida que são únicas. E deixam na gente uma marca que nem o passar de muitos anos apaga. Essas pequenas histórias são parte do que somos. E elas nos fazem fortes. Muitas outras coisas na minha vida foram assim como o sonho, chegaram, tiveram seu tempo e acabaram. E ficarão para sempre guardadas no rol das minhas muitas histórias, que conto ao longo da vida.

Mas essas histórias, são assunto para um próximo post.

4 comentários:

  1. ufa Camila! Você me emocionou agora, pois me fez voltar a um passado não muito distante! Lembrei-me do tempo que participávamos (eu e o Abud) do ECC com seus pais, e eu também recentemente moradora de Búzios, sentia muita falta dos meus pais, irmãos e amigos; e isso somente quem já passou, sabe o que significa. Posso dizer que eles; sua mãe com aquele jeito maizona, seu pai com aquele jeito paizão e a Amanda com aquele jeitinho meigo (eu sempre que a via dizia "você tem todo o jeitinho da minha irmã" rsrsr)preencheram um lugar muito especial em nossos corações.
    Com você na época tivemos pouco contato, pois você estudava em outra cidade, mas isso não impediu de termos contato não é verdade???? rsrsrs
    Valeu a lembrança!!!!

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  2. Simone, que legal poder dividir lembranças e sentimentos assim. Nós somos a nossa história. E eu adoro escrever sobre sentimentos. Gosto muito mesmo de vocês. E fico feliz de ver seu comentário. Precisamos marcar algum dia para minha mãe fazer esses sonhos em um café da tarde. Bjnhos em todo mundo!

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  3. Muito bom o texto.Amei e ninguém pode tirar isso de vc, é só seu,vc só passou um pedacinho pra gente, aposto que tem mais coisas escondidas na sua memória e coração!

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